A SOBREMESA DA MODA


Todos os anos, por esta altura, os nossos ouvidos são assaltados por uma cançãozinha irritante e chata que faz questão de nos perseguir por todo o lado e de nos atazanar a cabeça até ao limite do suportável. No ano passado esse privilégio coube aos O-Zone. Há dois anos foram Las Ketchup, e noutros tempos tivemos que levar com a “Macarena”, o “Saturday Night”, da Whigfield (alguém se lembra disto?), e outras pérolas do género, que felizmente o meu cérebro já apagou da memória. Este verão, o prémio de “a praga do ano” não vai para um tema, mas sim para um álbum inteiro. O feliz contemplado é o disco de estreia dos D,ZRT, uma das maiores aberrações musicais que este país criou em toda a sua história (e sim, já estou a contar com o disco do Zé Cabra!). A bandazeca fabricada pela TVI, e que deve todo o seu sucesso à novela “teen” “Morangos com Açúcar” (será que eles sabem disso?), são o grupo da moda, ou do momento (o que será deles quando esse momento passar?), como a imprensa "séria" gosta de lhes chamar. A julgar pelas quantidades de discos que os rapazolas já venderam, não deve haver neste país criancinha com menos de 12 anos que não tenha em casa uma cópia do primeiro álbum destes novos génios da música portuguesa. O êxito dos “Sobremesa” é a prova de que, na indústria musical e do entretenimento, a mediocridade compensa sempre. Pegunta o leitor: Astronauta, não estarás a ser demasiado severo para com estes 4 rapazinhos que, no fundo, só querem ganhar a sua vidinha? Não me parece. Afinal, sejamos realistas, os putos até podem ter umas carinhas laroca que, pelos vistos, provocam sonhos húmidos em muitas "pré-adolescentes", mas tirando esse pequeno pormenor, que nada tema ver com música, a verdade é que não se vislumbra em qualquer um deles uma gotinha de talento, um pinginho que seja de aptidão que justifique todo este fenómeno e, muito menos, todos estes discos vendidos. Senão vejamos: os miúdos não compõem, não tocam as canções que interpretam, não sabem cantar, dançam um pouco melhor que um coxo e vestem-se pior que um sem-abrigo. Como se não bastasse, o seu repertório é composto por algumas das cançõezinhas mais medíocres e irritantes que já escutei em toda a minha vida (e sim estou de novo a contar com o disco do Zé Cabra!). As canções dos D,ZRT fazem as canções dos Vengaboys parecer ter sido escritas pelo Cole Porter. Diabos, não é minha intenção ofender quem quer que seja, mas é preciso ser-se muito pouco exigente para se gostar de coisas como os D,ZRT. Coisas como os D,ZRT representam tudo aquilo que eu mais desprezo e me repugna neste negócio dos discos. Quem conhece minimamente esta indústria por dentro, sabe que este tipo de projectos são resultado de um plano e de uma estratégia de marketing. A sua existência resume-se a um objectivo: fazer dinheiro, encher os bolsos à sua editora e respectiva promotora e, por consequência, dar ainda uma maior visibilidade a um produto televisivo que é, já por si, um verdadeiro atentado à inteligência dos adolescentes (será que o Moniz deixa os filhos verem a novela?). A música, aqui, assume um papel acessório. Estes miúdos pouco ou nada se importam com música. Esta é apenas o meio que eles encontraram para ganhar uns bons trocos, engatar umas miúdas, entrar nas discotecas da moda, aparecer nas páginas das revistas cor-de-rosa e, quem sabe, daqui a uns anos alguém se lembrar deles para participar num dos “reality show” produzidos pela TVI, a mesma estação que lhes deu vida. Gente como os D,ZRT só têm uma ambição na vida: serem conhecidos. Ponto final. Custe o que custar. Atenção que, ao contrário do que esta prosa possa dar a entender, não tenho qualquer problema com quem, através da música, pretenda alcançar fama e riqueza (os Beatles nunca esconderam a sua ambição de serem famosos e ricos, no entanto, em contrapartida, ofereceram-nos algumas das melhores canções da história da música popular). Principalmente quando riqueza e sucesso resultam do talento, da criatividade e do trabalho. Nos tempos que correm, ser-se famoso é fácil. Ser-se famoso pelas razões certas, isso, caros amigos, é bem mais difícil. Numa sociedade que promove o sucesso fácil, a glória passageira e a fama sem esforço, não falta por aí gente disposta a tudo por uns míseros 15 segundos de fama. Porque, neste país, ser-se famoso (tradução: aparecer em novelas, surgir frequentemente em revistas do social, ser convidado para as festas da Casa do Castelo, ser astróloga, ser a Elsa Raposo, fazer mais plásticas que a Lili Caneças, usar mais maquilhagem que o José Castelo Branco, despir o corpinho para revistas masculinas, andar a “comer” outra pessoa famosa, apresentar programas de televisão e ordenhar vacas em “reality shows”) parece ser a maior ambição da vida de muitas pessoas, em especial de muitos adolescentes. Os D,ZRT conseguiram-no. Pelo menos para já. A boa notícia é que, se ainda houver um pouco de justiça no mundo, o sucesso destas quatro rapazes não vai durar para além deste Verão. Daqui a um ano, se tudo correr como previsto, ninguém se lembrará deles. Coisas como os D,ZRT são tão ou mais descartáveis que uma lâmina-de-barbear ou um penso-higiénico: servem para se usar e deitar fora. Desaparecem mais rápido do que aparecem. E esse, meus caros, é dos encantos da música pop.
P.S. - Este texto foi escrito em terras Algarvias, algures entre 1 e 14 de Agosto.