São poucos os discos que conheço de traz para a frente, de que sei o alinhamento de cor, dos quais consigo cantarolar as letras de todas as canções e que continuo a ouvir vezes sem conta sem me cansar.
"ACHTUNG BABY", dos U2, é um desses discos.
Recordo-me muito bem da primeira vez que o ouvi na Ãntegra, do "choque" que foi esbarrar de frente contra aqueles U2 que, à superfÃcie, soavam tão distintos dos U2 de quem era fã e acompanhava desde os anos 80. E radicalmente diferentes dos U2 que conquistaram o mundo com o rock "clássico" e americanizado de "The Joshua Tree".
Lembro-me perfeitamente do impacto das primeiras notas de "The Fly" (o single de apresentação do disco), daquela batida quase industrial, daquelas guitarras "sujas", agressivas e penetrantes, longe do rendilhado em espiral que The Edge nos habituou durante anos a fio. Senti de imediato que este ia ser um disco diferente de todos os anteriores discos dos U2. E assim foi.
É comum dizer-se que em "Achtung Baby" os U2 reinventaram-se. É verdade. A vários nÃveis: no som, na imagem, na postura, no discurso, na atitude, na iconografia...Com este disco, a banda de Bono destruiu para construir de novo. Pôs tudo em causa: as suas crenças, o seu sucesso, a sua visão do rock'n'roll e até o seu próprio futuro. Quantas bandas hoje, com a dimensão dos U2, se atreveriam a fazer o mesmo, a correr os mesmos riscos?
"Achtung Baby" foi um disco demasiado ousado e fracturante para uma banda da grandeza dos U2. Convém lembrar que nos finais dos 80s, os irlandeses eram já um dos grupos mais populares e respeitados da galáxia e uma gigantesca máquina de vender discos e fazer dinheiro. Não tenho dúvidas de que os U2 de hoje não teriam coragem de deitar cá para fora um disco como "Achtung Baby" (e muito menos um "Zooropa"). Não porque tenham perdido a ambição e o apetite pela experimentação e pelo desafio, mas porque o (seu) público não lhes permite esse luxo. E eles sabem que precisam de sucessos para continuar a vender milhões e a encher estádios. Sucessos, na última década, conseguidos à custa de canções "rendondinhas" e pouco ambiciosas como "Beautiful Day" ou "Sometimes You Can't Make It On Your Own", feitas à medida das playlists conservadoras e formatadas das rádios mais apontadas ao "mainstream".
"We're one, but we're not the same..."
Depois do pretensiosismo balofo de "Rattle & Hum", de 1988, a banda definiu como prioridade reinventar o seu som para o próximo disco. Para tal recrutaram os produtores Brian Eno e Daniel Lanois, que já tinham trabalhado com o grupo em "The Unforgettable Fire" (1984) e "The Joshua Tree" (1987). Em Outubro de 1990, o quarteto mudou-se para os mÃticos Hansa Studios, em Berlim, para começar a trabalhar em novo material. Sabe-se que nesse perÃodo Bono e The Edge, de um lado, e Adam Clayton e Larry Mullen Jr, de outro, tiveram discussões quentes sobre a direcção do novo disco. Os primeiros pretendiam seguir uma direcção marcada pelas electrónicas e influenciada por bandas mais ligadas ao rock "industrial", como os Nine Inch Nails, Young Gods e Einstürzende Neubauten; enquanto que a outra metade queria apostar em canções com uma estrutura mais clássica. Estas diferenças e toda a tensão por elas gerada quase que levaram ao fim da banda. As gravações prosseguiram depois em Dublin, onde a sonoridade do disco começou a ganhar forma. Nesta fase foi determinante a presença e a acção de Eno, que mandava para o lixo tudo aquilo que não lhe agradava, uma vez que era sua missão "to come in and erase anything that sounded too much like U2". Missão comprida.
Em "Achtung Baby", os U2 soaram como nunca antes tinham soado: arrojados, provocadores, inteligentes, irónicos e sexy. "Achtung Baby" definiu o padrão para álbuns como "Zooropa" (1993) e "Pop" (1997). Na verdade, o seu ADN ainda se encontra espalhado por algumas das coisas mais interessantes que a banda vai gravando.
Neste disco tudo faz sentido. Não há nele uma canção que dispense. Todas elas fazem parte da minha vida. Por isso não sei viver sem elas. Continuo a não saber. Tem sido assim há 20 anos...espero continuar a ouvi-lo nos próximos 20.
By PAULO GARCIA
By PAULO GARCIA
9 comments:
"...espero continuar a ouvi-lo nos próximos 20."
Eu também! Boa resenha, Paulinho, gostei de ler aqui uns detalhes sobre o disco que desconhecia. :)
Excelente texto sobre um disco fabuloso, que mudou a vida de muitos (a minha, por exemplo)...
Obrigado, Silvia :)
E obrigado também ao caro anónimo ;)
tudo explicitamednte resumido... sem mais a acrescentar, sobe um album que se tornou parte d meu "eu" ...
tb espero ouvi-lo sempre.
parabens pelo artigo.
ab rui
Grande álbum! É um dos meus favoritos dos U2. Como disseste, estes eram os U2 que sentiam a necessidade de mudar de caminho. Nessa altura tb tinham um contexto politico favorável e excitante.
Não vejo os U2 a fazerem outro álbum igual a este ou muito menos, para não dizer impossivel,um álbum como o Zooropa.
Ainda assim, sem querer confirmar, li algures que o Edge disse que os U2 estavam a compor muito boas canções, das melhores. Veremos
Obrigado pelo belo post.
Um gnd abrc.
Não conseguiria expressar de melhor forma a minha opinião em relação a este álbum. Acrescentaria ainda que, talvez por sugestão e pelo facto de ser o álbum deles que mais gosto, que a voz do Bono atingiu aqui o seu expoente máximo. Que grande álbum!!
Espero continuar a ler-te por mais 20 ;) Abraço
Muito bom artigo, parabéns!
Apenas teria acrescentado algo relativamente ao contexto espacio-temporal no qual o disco surge: os U2 foram para Berlim apenas 6 meses após a queda do muro. Há referências, mesmo que subtis e alguma carga disso mesmo em todo o disco.
E o Bono e o The Edge, para além de puxarem mais para o rock industrial, queriam incutir electronica. Tanto que o The Edge começou por compor os primeiros temas com ajuda de uma caixa de ritmos, o que deixava o Larry possesso... xD
Obrigado a todos pelos simpáticos comentários :) Abraços.
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